segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

espetada

   Acho que engoli um palito de dente enquanto comia uma batata recheada. A princípio não parece nada, porém pesquisei no Google, e veio logo o anúncio da catástrofe. Eu sinto o palito enfiado no meu coração, espetando-o, rasgando-o, do epicárdio ao endocárdio. Meu coração sangrento, sangra, sangra... 
   Talvez eu morra.
   Sozinha no escuro, o coração espetado, eu fico em silêncio, aguardando. Silêncio aqui dentro, quero dizer. Lá fora os fogos já estouram, ao longe. Não olho pela janela, só ouço, bem parada, a respiração bastante controlada...
   Falta pouco. Cinco minutos e isso acaba, só para depois começar de novo.
    Não ouço os risos, mas certamente eles também ecoam lá, bem longe do meu coração que descompassa com a ferida e com a angústia.
   Eu os imagino, os vejo — no âmago da minha loucura. Estão lado a lado, as cabeças erguidas, observando os fogos... e quando o relógio anuncia, por fim, a meia-noite, ela, com um sorriso extremamente largo, se joga nos braços dele. Ele se diz solitário, mas não é, não de verdade. Com ela nos braços, ele nunca está sozinho. Beijam-se. Ela sente o calor do abraço dele lhe envolver por completo. Eu sinto o calor da ansiedade subindo pelo meu corpo, se concentrando nas minhas duas bochechas, tão vermelhas quanto o meu coração sangrando, sangrando. 
   Desejam-se feliz ano novo, sorriem com os lábios e os olhos.
   O meu coração está doendo, talvez eu morra. O palito espeta minha alma. Sozinha, talvez eu morra. 

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

perdida

   Eu não sei como o meu coração pode ser tão cheio e tão vazio ao mesmo tempo. Eu amo todo mundo e não amo ninguém. Eu quero ficar sozinha, mas a solidão me machuca. Finjo que esqueço, mas lembro toda noite. Às vezes as memórias e os sentimentos se misturam e todas as pessoas viram uma só. Eu sou apaixonada por um conceito, uma junção de todas as pessoas que um dia amei de forma mais fiel. As palavras de um, o jeito de outro. A inteligência de alguns e o potencial de outros. As pintas e marcas  de todos. Quando eu sinto falta, não sei por quem estou realmente de luto. Talvez eu esteja de luto por mim mesma; por todas as esperanças que depositei neles e em mim mesma, e foram friamente assassinadas.
   Talvez eu só ame de fato a mim mesma.
   Estou sozinha como nunca estive.
   Não sei. 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

humana

   Eu sei que você não deve mais pensar em mim, mas eu penso em você todos os dias que estou acordada. Fico parada no escuro, no silêncio, a pele eriçada pelo pensamento do abraço que você me prometeu. E nos dias que escolho não despertar, eu sonho com você. Nós dois juntos na cama, lendo poemas entre um beijo e outro. Lábios explorando pintas.
   Ainda fico tentando imaginar seu cheiro e a textura da sua pele. A imagino quente e macia, e chego a sentir, de um jeito muito abstrato, o conforto do seu corpo no meu.

   Ouço músicas que me fazem pensar em você, mesmo sabendo que você não gostaria delas, e penso em todas as coisas que poderiam ter sido e nunca serão...
   Vejo você surgindo um dia, mesmo que leve muitos anos, e dizendo que agora é diferente. Eu sei que é bobo, e eu sei que você nunca vai surgir dizendo isso, mesmo que as coisas sejam diferentes! Imagino você racionalizando e escolhendo me ignorar.
   Toda vez que acendo um cigarro eu lembro da sua voz e dos seus lábios se movendo, ... e agora foram muitos cigarros.
   Às vezes eu estou na rua, na fila do ônibus ou numa livraria e vejo mãos parecidas com as suas... Minhas pernas fraquejam. Sinto um nó na garganta. Lembro dos seus dedos segurando cigarros e os tragando, daquele jeito encenado que me cativou. As lágrimas surgem e ficam presas nos meus olhos até que eu inevitavelmente pisque, então elas escorrem, um filete de cada lado, inundando meu rosto e indo parar no meu peito. 
   E às vezes eu lembro da sua risada, ao lado da sua namorada, e novamente sinto aquela sensação. Minha pele sendo arrancada do meu corpo.
   Eu só queria que você soubesse.


segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

taciturno

Te chamo
Ouvimos o eco da minha voz
Você me olha, mas não diz nada

Não sou boa com despedidas

É como

Minha pele desgrudando do corpo
Um nó na garganta
Algo incômodo no peito

E se amanhã não tiver ninguém

Aqui

... Entende?

A morte da expectativa

Das coisas que poderiam ser
E de tudo que sempre foi improvável...

Você volta
Com seus sentimentos fragmentados
Me oferece reticências e
Seus beijos abreviados me ferem

Deliberada, para te mostrar que sofro, te apedrejo com palavras
Você finge a dor tão bem que eu quase acredito

Amor

Pouco não nutre minha fome de vida de tudo que é grande e forte e
Aquela palpitação que a gente ouve e sente ao mesmo tempo, alta e quente
Vibrando loucamente eu

Amo tudo em você
Até as coisas que odeio

Não te atinjo
Longe
Impenetrável
Duro feito rocha

O seu auto-controle me descontrola
E eu estou cansada

Grito vai embora como quem diz
Fica
Você sussurra adeus como quem diz 
Nunca estive

Te chamo outra vez
Você não olha para trás

sábado, 1 de dezembro de 2018

entenda

Pra quem sabe enxergar
o céu é sempre bonito

mesmo quando chove muito
mesmo quando o sol exagera
mesmo quando não tem estrelas
mesmo quando tudo é cinza
e triste
e não venta o suficiente

quando tudo fica parado

mas talvez
pipas também alcem voo

na frente de um ventilador

lá fora
as pessoas não importam
sobre o que falamos nós
além da pizza de dez (muito fina)
e as coisas que perdemos
caindo
no meio do caminho

sem lembrar que se caímos
também levantamos
e encontramos outras coisas
jogadas na rua
cartas e gravetos e insetos 

... assassinados 

Outras formas de viver a inocência...

Se for pra usar o que eu disse
Pelo menos use direito

Estamos os dois quebrados

Ou a vida apenas nos cortou,
feito peças de um quebra-cabeça

Prontas para 
o encaixe

...
Agora fica a esperança

Eu estou batendo à sua porta!

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

domingo, 11 de novembro de 2018

previsão

Minha mãe me disse
Um dia você vai ser como eu
Sozinha
Com um monte de filhos
Vai saber o que é sofrer
Você vai me entender

Eu tinha dez anos
Coisa estranha de se dizer

Passei a vida fugindo
Da sina
Do destino
Da repetição

Eu não queria ser ela

Sempre fui sozinha
Especialmente quando me via acompanhada

Não tive filhos
Mas descobri o que é sofrer

Aos vinte o entendimento veio
De forma súbita

Não justifica.

28. Estou salva.
Sou diferente.

Até que ele apareceu,
Me fez como ela

Me fez ser a outra
Assistindo a intimidade
De fora

Intocada.

Me fez ser a outra
Como minha mãe

Ele me fez cair
Ele completou o meu destino

terça-feira, 6 de novembro de 2018

quando eu lembro do seu pau

Você esteve aqui, faz tanto tempo
... Quase 730 dias se passaram

Eu mudei de quarto duas vezes
Comprei novos lençóis
Troquei meu perfume,
Minhas roupas mudaram.

Minha voz saiu
Meus olhos se tornaram menos duros

Outras pessoas surgiram

Mas você...

Você nunca se foi realmente
Nunca saiu 

de dentro

Você mudou também?

Sei que você jogou todos os seus cachos fora

Mas e a sua voz, continua solta? Continua safada? Continua iludindo?
Será que os mesmos tênis ainda calçam seus pés?
Será que o seu pau continua macio?

Minha boca saliva

Eu penso nessas coisas
Quando as pessoas chegam e vão
E
Às vezes me dizem adeus, 
Mas na maioria das vezes não...

É na ausência do adeus que a lembrança de você mora
A sua ausência
Mesmo antes do adeus que nunca me deu

Se você tivesse me dado um adeus
Talvez eu não pensasse

Se

Você trocou de sabonete
Você ainda pensa no meu nome
Ou no meu cheiro de sorvete de morango
De vez em quando
Assim, distraidamente

Se você se arrepende

Será que você sente falta de me foder ao som de Freak, seu filho da puta?

sábado, 3 de novembro de 2018

a bunda

   Muito da imagem que nós, mulheres, temos de nós mesmas, é distorcida. São tantos comentários maldosos, tantas pessoas apontando o que consideram "errado" no nosso corpo, jogando na nossa cara ideais de COMO um corpo feminino DEVE ser, que a nossa visão fica focada em detalhes irrelevantes. Nos torturamos de tal maneira, que fica muito difícil conhecermos a nós mesmas, nos vermos como REALMENTE somos. 
   Nós ficamos nesse círculo vicioso porque somos ensinadas não apenas a odiar nossos próprios corpos, mas os corpos umas das outras, seja por medo ou por desejo de SER IGUAL. Nos ensinam que somos rivais. Até irmãs, ou mãe e filha. 
   Eu cresci com uma visão distorcida de mim mesma, a ponto de não me me reconhecer no espelho, porque fui ensinada a me ver de forma negativa por pessoas igualmente inseguras. 
Minha mãe nunca poupou críticas ao meu corpo, nem quando eu era pré-adolescente, e nem agora. Não faz muito tempo que ela me disse: "você é uma gorda *estranha*. Geralmente gordas têm quadril largo, bundão, peitão. Você não tem peito nem bunda, só barriga". Por muito tempo o meu pensamento foi esse: "sou uma mulher errada, uma gorda errada!". Ela repete este comentário com frequência e naturalidade, e se gaba de ter uma bunda maior do que a minha.
   Quando elogiam minha bunda eu penso no que a minha mãe diz, é inevitável. Me sinto como se estivesse fazendo propaganda enganosa e me vejo reafirmando, automaticamente, que não é tão grande quanto parece. Que é diferente em diferentes ângulos. Que tem marcas, tanto de celulite quanto da cadeira, que tem manchas. 
   Já chega! Nós temos que assimilar o fato de que isso é normal. Ter manchas e celulite é normal. O corpo tem diferentes formas em diferentes ângulos! ISSO é normal! O que não é normal é deixar de transar por medo de alguém ver seu corpo, ou não se olhar no espelho por desprezar a si mesma. O que não é normal é deixar de ir à praia, deixar de se divertir, por medo de ser julgada por características DO CORPO HUMANO. O que não é normal é tentar forçar em si mesma ou em outra mulher a ideia de que só existe felicidade na ponta de um bisturi. 
   Não!
   COM minhas manchas e marcas, eu sou PERFEITA. E você também é!

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

a doença

Tem dias que o impulso é
Destruir

Lugares
Coisas
Pessoas

As propriedades
Os Proprietários
O que não tem dono

Destruir o Mundo
Da mesma forma que ele me destruiu

Destruir
-
Me

Eu posso jogar as lâminas fora
Cortar minhas unhas bem curtas
Trocar o álcool por água
Não comprar cigarros
Eu posso me achar bonita
Colocar as melhores roupas

Eu posso sorrir
E gargalhar

Posso inventar novos métodos

E as pessoas ainda vão dizer
Seus olhos são vazios

A Destruição está dentro de mim

Nas relações que eu vivo
No meu jeito errado de amar
Na esperança de ser correspondida
Na bagunça do meu quarto

Lágrimas, olhos vermelhos,
A música tocando

A Doença
Não me deixa
Viver

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

auto-conhecimento

   Não dormi, mas comecei o dia gargalhando. Seis horas da manhã e minha risada alta preenchia meu quarto, provavelmente se fazendo ouvir fora dele. Ri tanto, que a minha barriga começou a doer, enquanto as lágrimas escorriam pelas minhas bochechas e embaçavam meus óculos. Eu tentava não rir, porque o motivo do riso desenfreado era a desgraça de algumas pessoas que caíram com a freada violenta de um ônibus. Parava por alguns minutos, segurando o riso com a consciência pesada, mas depois não aguentava, e o ritual descontrolado recomeçava.
   Ouvi os passos em frente à janela do meu quarto. Ouvi minha avó na cozinha, senti o cheiro do café. Eu não tomo café, mas devo admitir que o cheiro de café, especialmente pela manhã, aguça alguma coisa boa dentro de mim.
   Entre o riso e o silêncio culpado, ouvi o barulho das xícaras na cozinha, e o som de pessoas cochichando. Tentei ouvir o que diziam, mas não deu.
   Eu ainda estava indecisa se deveria ir à consulta com a psiquiatra ou não, mas pensei: "ainda tenho bastante tempo", e depois me ocorreu que é justamente quando eu tenho tempo de sobra que me atraso. Eu me conheço, estou sempre certa. Me atrasei, depois de colocar uma roupa qualquer e sair correndo, de cara lavada, na chuva que tornava o chão escorregadio sob o meu all star velho demais para ter algum efeito anti-derrapante. Quase escorreguei algumas vezes. Teria sido um belo castigo, ser filmada escorregando para abastecer o riso de alguém depois, na internet.
   Mas não caí. 
   Cheguei ao posto de saúde, tirei os óculos escuros respingados da chuva, e peguei a senha eletrônica. Agora tem isso lá, e eu me sinto de alguma forma traída por esse avanço tecnológico. Tira o aspecto familiar da coisa. 
   Mais traída ainda me senti quando minha senha foi chamada, e a recepcionista não lembrou meu nome. Ela me olhou, olhou para a tela do computador por uns segundos, e me olhou de novo, soltando um odioso: "esqueci seu nome...". Ela me conhece há dez anos. Eu sei o nome dela e de todas as pessoas no posto de saúde. Aos poucos, eles esquecem o meu. 
   "Cíntia, prontuário 19-119".
   Enquanto esperava, irritadiça pela noite não dormida, observei as pessoas passando. Auxiliares de enfermagem, as moças da limpeza, o pessoal da administração, e as agentes de saúde. Recebi dois abraços genuínos, fortes, e muitos sorrisos amarelos: "você anda sumida!". Eu sempre busco amor nos lugares mais improváveis.
   O posto está cheio de enfeites florais feitos de papel crepom; dois tons de rosa e um branco, para a campanha de prevenção de câncer de mama. Fiquei com vontade de roubar alguns dos enfeites, colar na parede do meu quarto. Eu sou assim. Uns anos atrás roubei um dos enfeites da já precária árvore de natal do posto de saúde, porque eu preciso ter esses souvenirs para me lembrar dos momentos. Para tornar as minhas memórias tangíveis. Ou para manter a ilusão ativa.
   Pensei em todos os anos esperando por aqueles corredores, vendo as pessoas passando e preocupando-se comigo. Pensei nos meus professores do ensino fundamental. O meu sentimento era o mesmo por ambos os ambientes e seus habitantes. O mesmo amor por pessoas que são pagas para notar a minha existência, e que esquecem do meu nome assim que o meu caso deixa de ser prioridade em suas mesas.
   Comecei a andar de um lado para o outro, inquieta com a demora. Apertei o aparelho de álcool gel, mas não saiu nada, como sempre. Tem uma mesa no corredor, ao alcance dos pacientes, e eu sempre me perguntei o que tinha naquelas gavetas, sem coragem de abrir para ver. Olhei para os dois lados do corredor cheio de pacientes cuidando de suas próprias dores. Abri a primeira gaveta, e, adivinha só, não tinha merda nenhuma. Foi o suficiente para acabar com qualquer traço de tesão detetivesco.
   Me pus a ler os cartazes de prevenção de câncer de mama, e depois o mural cheio de post-its com mensagens "motivacionais". Cuide-se!, dizia um dos post-its. Ame-se! A vida importa! AUTO-CONHECIMENTO! Eu nunca fiz o auto-exame. Pensei em roubar um ou dois, quem sabe três post-its rosa choque. Mas talvez a mensagem fizesse falta para outras pessoas. Eu sou hipocondríaca. Quando eu penso em fazer o auto-exame, penso na possibilidade de encontrar um nódulo, e começo a surtar. A bem da verdade, se eu procurasse eu provavelmente encontraria mil nódulos, a minha ansiedade os colocaria ali.
   Eu me conheço, mas às vezes não quero conhecer demais. Pensei nas minhas seguidoras.
   A psiquiatra me chamou. Ela não lembrava exatamente sobre o meu caso, ficou lendo por cima as páginas do meu prontuário, me fazendo as mesmas perguntas mil vezes, e eu as respondia, sentindo a exasperação crescer. É como se ela não ficasse contente com as minhas respostas, então continuasse perguntando para ver se eu as mudava. Você está pensando em suicídio, ou está planejando suicídio? Qual é a merda da diferença? Perdi a calma com ela, e me arrependi em seguida, porque apenas parte da minha exasperação era pela condescendência dela, a outra parte era pela noite não dormida. Eu sou como uma criança que vai ficando rabugenta à medida que o sono chega, e que precisa deitar e pegar no sono assim que esses momentos batem.
   Ela continuou fazendo as mesmas perguntas e as mesmas propostas. Eu parei de responder, adotando a tática de simplesmente encará-la. Ela continuou na expectativa de uma resposta, e eu continuei oferecendo silêncio, sabendo que meus olhos estavam tão vazios quanto às vezes me acusam.
   Foi uma consulta absurdamente longa, em que nada foi abordado. A minha impaciência crescente, louca para sair dali. Comecei a concordar com ela, era o único passaporte para a saída daquele lugar. Funcionou. Até mais, Cíntia. Obrigada. Tchau.
   Peguei meus remédios, não tinha todos. Estava exausta. Passara horas ali, e a consulta com a psiquiatra no fim me deixou pior do que quando eu cheguei. Com os bolsos da jaqueta jeans molhada cheios de remédios, coloquei os óculos escuros e saí. Eu não suporto claridade, especialmente quando não durmo.
   Ia chegar em casa, tirar toda a roupa e me jogar na cama ao som de Florence + the Machine. Isso não aconteceu. Enrolei o dia inteiro, cansada, sem fazer nada, sem ter noção de como as horas passaram. Dava tempo de ir pro curso ainda, mas eu simplesmente não teria energia física ou intelectual para acompanhar a aula.
   No fim da tarde eu tirei as roupas ainda molhadas, e deitei, cobrindo a cabeça. Meu corpo começou a pesar, minha mente começou a desligar, e o celular apitou. Relutei por alguns momentos, mas descobri a cabeça e estiquei o braço, pegando o aparelho.
   Era ele. Meu coração acelerou. Ele gostou da minha foto de 4. Instigada, minha mente acendeu, voltou a funcionar a todo vapor. Minha buceta a acompanhou. Em alguns minutos ele conseguiu me fazer esquecer da mágoa de situações anteriores, do sono, do cansaço, da exasperação, e tudo isso deu lugar a um tesão violento, que provocava ondas de prazer pelo meu corpo sem que eu ao menos me tocasse. 
   Eu te quero. Você me faz sentir um tesão desmedido. Seu pau está pulsando? Quero me esfregar em você. Imagina, imagina, imagine! Imaginei o coturno dele pressionando meu corpo, me imobilizando contra a parede, deixando as marcas da sola na minha pele. Estava molhada novamente, mas dessa vez não era culpa da chuva, que ainda batia  contra a minha janela.
   E as mensagens começaram a ficar mais espaçadas... 
   Ocupado.
   Ok...
   Abri as pernas, coloquei os dedos para trabalhar, imaginando. AUTO-CONHECIMENTO!
    Os dedos deslizando com facilidade. AUTO-CONHECIMENTO!
   Me esparramei na cama, me desfazendo entre os lençóis e cobertas. AUTO-CONHECIMENTO!
   Soltei gemidos e suspiros... AUTO-CONHECIMENTO!
   A atenção dele nunca é só minha. Eu sempre tenho que dividi-la com outras pessoas, com outras coisas.... AME-SE!
   É só sobre ele. O prazer dele, o sentimento dele, o momento dele, a vida dele. Ame-se ame-se ame-se ame-se ame-se ame-se ame-se, AME-SE, porra!
   Tomada pelo tesão e pela tristeza de uma só vez, comecei a chorar enquanto me tocava, enquanto os dedos entravam em saíam, e o tesão começava a ser vencido pela tristeza. O som do meu choro preencheu meu quarto, talvez se fizesse ouvir lá fora. Chorei tanto, que a minha garganta começou a doer, as lágrimas escorrendo em abundância pelas laterais do meu rosto. Parava por alguns segundos, mas depois não aguentava, e os soluços convulsos recomeçavam. No escuro, no silêncio.
   Os dedos desistiram. Fechei as pernas, deitei em posição fetal e cobri a cabeçaEu sempre busco amor nos lugares mais improváveis. Chorei tanto, que dormi. Por dois dias.

sábado, 27 de outubro de 2018

apocalipse

Eu estava aqui lembrando que em 2002, quando eu tinha 12 anos, estava assistindo TV com alguns membros da minha família, esperando os resultados das eleições. Eu não estava dando a mínima pr'aquilo, até que começaram a dizer coisas tipo: "O Lula não pode ganhar! Vai ser o fim do Brasil! O real vai perder o valor, nosso dinheiro não vai valer nada!"
O dia em si vem como um sonho, mas eu consigo lembrar do pânico que senti diante daquelas afirmações.
Eu não tinha consciência política alguma para além das brigas e recriminações entre a minha família materna (pobre, nordestina, negra, de direita) e o meu pai (petista)... então comecei a imaginar algo como o apocalipse acontecendo se o Lula ganhasse. Gritaria, fome, saqueamentos...
Eu senti medo, e comecei a torcer para ele não ganhar.
Ele ganhou, nada disso aconteceu. Bem pelo contrário.
Eu era inocente, acreditava em qualquer coisa que me dissessem.
Quem colocou o pânico na minha cabeça também era... Minha avó paterna, filha de militar, mas uma pessoa sem estudo e sem pensamento crítico, que apesar da muita idade acreditava e ainda acredita em tudo que ouve na TV e nas rodinhas familiares (especialmente se o discurso conservador vier da boca de um homem).
Ela estava errada. Lula ganhou e o apocalipse não aconteceu.
Ainda assim, todos esses anos passaram, e o discurso continua o mesmo. Ela ainda acredita nesse discurso.
Não acho que todos são inocentes. Muitas pessoas são guiadas por puro ódio! Quem gera a notícia falsa que alimenta minha avó sabe muito bem o que está fazendo. Traça a mentira de forma muito consciente, usando das inseguranças do povo para gerar pânico em troca de resultados específicos. Mas tem os que como minha avó acreditam na mentira, os que não têm base para discernir as más intenções.
Me perguntaram se eu já chorei pelo resultado das eleições até agora, ou pelo que o futuro nos reserva.
Eu não estou surpresa com as coisas que estão acontecendo. E acredito que o conservadorismo e a censura já estão estabelecidas de muitas formas na nossa sociedade, o que facilitou a chegada desse momento. Mas é claro que eu tenho medo de uma censura completa, escancarada, e da intensificação do ódio.
Eu chorei. Chorei quando vi os planos para "educação" do Voldemort.
Tenho, atualmente, inúmeras críticas ao sistema de educação brasileiro, mas as coisas podem ficar ainda piores, e isso é terrível, porque o descaso com a educação é justamente o que mantém as amarras do povo. É o que mantém o Brasil nessa prisão moral e cheia de ódio. É o que faz com que as pessoas tenham na mente a imagem de um apocalipse brasileiro, com gritaria, fome e saqueamento, caso Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado não ganhe.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

você... ou eu

Comprei um maço de cigarro
Fazia sentido...

tirei o lacre

Talvez um dia alguém sinta conforto em mim
no cheiro 
das minhas roupas
dos meus cabelos

Talvez algum dia eu encontre conforto.

Ontem pouco me bastou
Enquanto garoava na minha cabeça
E as gotas, junto à fumaça, embaçavam meus óculos.

Hoje, nada.

Mas
Eu vou te encontrar
Na ponta de cada cigarro que eu fumar
Vou sentir seu beijo
Em cada tragada que eu der
Vou ver seu rosto
Em cada massa abstrata de fumaça que eu soltar

Minha voz ficará menos suave
E em cada verso que eu declamar
Eu vou lembrar da sua rouquidão...

"If I never see you again..."

Quando eu me tocar
Os meus dedos terão o cheiro dos seus dedos
Vai se misturar ao aroma do meu sexo

Levarei meus-seus dedos aos lábios
Vou fechar meus olhos...
Fingir que são suas, as digitais adocicadamente ásperas na minha língua

Sua existência vai resistir

Nos meus pulmões

Eu vou ficar sem ar
Toda vez que o seu nome vier à tona

E quando eu estiver quase morta
Será você o meu câncer
De alma

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

urbana

Vagando por essa cidade caótica
Eu vejo você

Nos olhares infantis
No vento cheio de poluição que espanca minha pele
No cheiro dos cigarros acesos
No meu próprio caminhar,
Refletido nas portas espelhadas de edifícios instáveis

Parada no ponto de ônibus 
Eu
Sinto você
Quando toco as pérolas pendendo do meu pescoço
E te imagino, me puxando
Para muito perto

Violência, necessidade

O colar partindo
As bolinhas marfim rolando
... Para dentro do esgoto.

Eu não ligo.

-- 

Sentada à janela
Eu ouço você

Enquanto aproveito o balanço
Para...
...

Meu corpo arqueia
Um gemido rebelde se faz ouvir
Me olham
Minhas bochechas não coram

A dor é iminente

Mas eu acho que todo mundo deveria acordar atordoado
Às quatro horas de uma tarde
Ao som de um poema recitado

Todo mundo deveria se perder,
Uma vez ou outra

Eu me perco na constelação do seu corpo.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

fumaça

   As coisas invariavelmente começam como se nada estivesse acontecendo. É simples assim. Você não é ninguém pra mim, e eu não sou ninguém para você. Bate até um desconforto, de tanta mensagem chegando, e do impulso de respondê-las. Te vejo como um todo — um amontoado de características. Um homem como qualquer outro. 
    Mas aos poucos... O papo passa do morno para o muito quente — a sensação é, ao mesmo tempo, sufocante e deliciosa, como são as melhores coisas. Palavras bem aplicadas, surge a identificação. Você entra na minha cabeça. Forjamos a conexão... 
   ... Talvez seja por hábito, que nós fazemos essas coisas. Continuamos, porque a opção é o vazio. O nada perde espaço, se torna alguma coisa... Dez minutos já não são o suficiente. Eu quero mais, quero todos os seus minutos e todos os seus pensamentos. 
   Vou isolando suas características, passa a me agradar o que sinto e o que vejo. Pintas, olhos, dedos. Desejo. O jeito que os seus lábios soltam a fumaça... 
   Sozinha na minha cama, fantasio, ao som de Portishead, sobre o seu cheiro. Sobre sua voz, a textura da sua pele... a temperatura do seu abraço. Fico imaginando o tom do seu gemido. Tudo em você é meio encenado...
   Quando noto, você está sob a minha pele. Meu ser anseia por você. A mais inocente lembrança da sua existência eriça todos os meus pelos. O meu coração descompassa, o meu cérebro fica dormente. O seu nome encharca a minha calcinha...
   É tudo muito breve, as coisas são intensas. Mas eu descobri, ao longo da vida, que intensidade é algo que não dura...
    É brutal, a porrada que atinge o meu estômago. O sentimento é um raio atravessando o meu corpo repetidamente. Meu coração ganha mais um remendo. O buraco no qual venho caindo fica mais profundo.
   E de repente, são cinco horas da manhã. Eu fumo meu primeiro cigarro em muitos meses, para me sentir mais perto de você. Olho suas fotos, revivendo as palavras, e penso no absurdo das coisas. Há pouco tempo você nem existia. 
   O fluido transparente escorre pelas minhas coxas, enquanto você dorme com ela.
   Solto a fumaça.



   

terça-feira, 7 de agosto de 2018

pai


Nós não temos que ser fortes sempre. E chorar não é demonstração de fraqueza.
Eu cresci num impasse. Por um lado sabendo que meu pai é, no mínimo, um pai ruim, mas por outro, consciente de que poderia ser pior. O pai de uma amiga minha, policial, a estuprava à mira de arma de fogo. Perto do pai dela, o meu pai é um amor de pessoa. Mas analisado sozinho, o meu pai continua sendo um pai de merda. E eu nunca me senti no direito de falar muito sobre isso, porque poderia ser pior. Certo?
Se você visse o Facebook do meu pai, ou o conhecesse pessoalmente, teria a imagem de um cara bacana. Ele fala de forma baixa e suave quando conversa com as pessoas de fora. Conhece palavras bonitas, sabe se expressar, é antenado, e de certa forma culto... Politizado e basicamente militante de esquerda, "apoiador" de todas as minorias. Nos bastidores, entretanto, ele mesmo zomba de tanta demagogia. Zomba do gay, humilha o "servente", ameaça esquartejar a própria esposa, acha que os sentimentos das pessoas têm valor monetário, e acima de tudo, ele não tem um pingo de amor para oferecer a quem quer que seja.
Aprendi a não confiar nos homens, tendo-o como pai. Vendo-o agredir meu irmão, física e verbalmente, de forma consistente, enquanto crescíamos. Não o tapinha "disciplinatório". Porrada. Meu irmão sendo seu saco de pancada particular. Foi uma vida ouvindo-o dizer que toda mulher é vagabunda, enquanto traía suas ex-parceiras e gritava com a própria mãe. Tudo na encolha. Tudo sem projetar para o mundo essa realidade. É muito difícil ter auto-estima, crescendo com pais abusivos, e isso não me faltou.
Eu tento manter a paz, apesar das mágoas. As coisas estavam indo bem: mal nos falávamos desde o último incidente, o qual terminou com ele trancando minha madrasta e meu irmão de 9 anos num quarto, sob ameaças. Quando acontecia de nos vermos, conseguíamos manter a cordialidade. Deliberadamente, eu passo muito tempo no meu quarto e evito aparecer na frente dele. Essa noite isso não foi possível. Eu saí do meu quarto ao mesmo tempo que ele saía de sua casa (moramos no mesmo quintal), e quando nos vimos, através de um portão, eu percebi na hora que ele estava virado no capeta, e pronto para descontar em alguém. Geralmente, quando ele entra nesses transes, vai para o seu carro e fica lá. Hoje eu estava no lugar errado, na hora errada, entre ele e o carro, e fui o alvo perfeito. A coisa toda foi surreal. Ele entrou na casa da minha vó - onde moro - e começou a gritar comigo sobre louças que eu não lavo. Eu disse para ele parar de gritar comigo e descontar a raiva em outro, ao passo que ele começou a gritar mais ainda, se aproximando ameaçadoramente. Eu não sou o tipo de pessoa que abaixa a cabeça, então sustentei o olhar, ainda pedindo que ele parasse de gritar. Os pedidos o fizeram gritar mais ainda, histérico como sempre. Quebrei um prato. Eu odeio gritos. Odeio que gritem comigo, especialmente se eu não fiz nada para merecer tais gritos. Gritos ativam em mim, ao mesmo tempo, fúria e medo. O enfrentei. Ele veio pra cima. Ameacei denunciá-lo, ele veio MAIS pra cima.
Enquanto gritava NA MINHA CARA, a saliva atingindo meu rosto, eu via o quão feio ele é. Quão frágil. Quão grande ele se acha. Vi, na mesma proporção, ódio e vazio nos olhos dele. Vi o que eu sempre tentei não ser, o que eu não quero me tornar, apesar da vida me jogar nessa direção!
Quando a mão dele atingiu meu braço, a minha mão atingiu o braço dele, e ali, eu era novamente a adolescente de 14, tendo que sair na mão com o próprio pai para se defender, mais moralmente do que fisicamente. Mas eu não tenho mais 14 anos, tenho 28. E eu definitivamente aguento porrada. Os tapas e socos vieram. As pancadas em si não significam nada. O impacto de verdade, a maior porrada que ele pode me dar, ele já deu tantas vezes, em forma de palavras e ações, que me agredir fisicamente agora, depois de todos esses anos, não representa muita coisa.
Não tenho hematomas para deliciar essa rede social. Ele só bateu o suficiente para se firmar enquanto macho. Se os hematomas vierem, não vão chegar perto do hematoma emocional permanente que ser filha dele me causou.
Aí as pessoas me perguntam "por que ele te bateu?", e eu lembro que quando eu tinha 13 anos, ao descobrir que eu me cortava, ele me deu uma dessas surras épicas, com direito a socos na cara e boa parte do meu corpo coberto de HEMATOMAS. Porque ele sempre quis passar a ideia de que eu pertenço a ele, como um objeto comprado. Eu cheguei na escola roxa, com um pulso enfaixado, e me perguntaram "porque ele tinha me batido". Disseram, como dirão agora, que "alguma coisa eu fiz". Quando um homem bate em uma mulher, seja ela adolescente ou adulta, seja o homem seu pai, namorado, marido ou irmão, e mesmo quando eles estão completamente sozinhos, a sociedade inteira está sendo cúmplice. Porque homens e mulheres são criados para achar que esse tipo de coisa é normal, e dependendo da situação, completamente justificável.
Essa noite eu tive mil gatilhos ativados, fui exposta às minhas inseguranças, procurei as pessoas "mais próximas" e não encontrei ninguém. Chorei e me expus ao ridículo. Eu quis MUITO me cortar, eu quis bater a cabeça na parede de tanta raiva, eu quis sair e beber até cair, ou arrumar alguém para transar e me sentir tão imunda quanto meu pai acha que eu sou... lembrei que nada nessa vida realmente importa. Eu pensei em me matar. Essa noite eu resisti aos meus instintos.

terça-feira, 24 de julho de 2018

o papel da pessoa gorda na indústria do entretenimento


Uma das coisas que eu mais curto na vida são séries de TV. Elas de certa forma me salvaram. Cresci assistindo séries, vendo os personagens como parte da minha família e do meu círculo de amigos, e discutindo as maratonas da vida com meus poucos amigos fora do universo fictício. Uma das minhas séries preferidas é "Tal Mãe, Tal Filha" (Gilmore Girls). Foi uma das primeiras séries que eu assisti , graças ao SBT. Foi uma das séries que estabeleceu o meu prazer por séries.   Ao longo dos anos, assisti essa série em diversos estados mentais, e sempre gostei muito do clima "doce" que compreendia na mesma. Por causa da vibezinha de cidade pequena, onde "todo mundo se ajuda", eu sempre idealizei a coisa, ignorando certos absurdos, como as tiradas machistas, homofóbicas e gordofóbicas, o bullying constante contra alguns personagens estereotipados, e também a forma egoísta que as duas protagonistas tratam suas melhores amigas (uma sendo a personagem da Melissa McCarthy, até então gorda, que servia de boba da corte).   Foi um choque rever essa série e pegar tantos momentos repreensíveis que sempre passaram batido, ou que eu mesma encarei como algo engraçado num passado não tão distante.   Por um lado significa que eu cresci. Mas e a indústria do entretenimento, por que nunca cresce? Gilmore Girls ganhou um revival dois anos atrás, e se na época das temporadas originais "podia" se esconder atrás da "ignorância", já que até então não se falava muito de determinados assuntos como GORDOFOBIA, agora não pode mais. Ainda assim, as tiradas gordofóbicas surgiram, e de forma até mais descarada e intensa, com um personagem sendo alvo de zombaria direta das duas personagens principais. O personagem gordo aparece sempre sem rosto. O corpo do ator é usado simplesmente para esculhambação!    Muitas séries de TV são carregadas de comentários e situações gordofóbicas. É algo tão enraizado que não se limita às séries "cômicas". Em todo gênero usam, de forma consistente, o corpo gordo para alívio cômico. Das clássicas "Um Maluco no Pedaço" e "Eu, a Patroa e As Crianças", à novíssima "Insatiable" - cujo trailer me despertou fúria - esses momentos não são raros.    "Bones", por exemplo, que também é uma série que gosto muito, já me fez chorar em momentos que eu estava mais fragilizada. Nunca vou esquecer de uma cena em que o Booth e a Brennan estão interrogando uma suspeita gorda e fazem piadas diretas sobre a mulher, falando basicamente que gordos fedem. Ela é uma assassina, mas O QUE REALMENTE importa para eles é que "gordos fedem"! E claro, são personagens. Mas tem pessoas de verdade interpretando esses personagens. Como esses atores conseguem não se abalar sendo depreciados? Na minha visão, não se pode falar esse tipo de coisa na cara de alguém, mesmo que ela esteja interpretando, sem escancarar como a sociedade enxerga a pessoa gorda. Quando vejo cenas assim, me sinto humilhada pela atriz (ou ator). Quem escreveu essa cena realmente acredita que gordos fedem, e estava se referindo tanto à personagem quanto à atriz, E à cada telespectador que acompanha(va) a série. Sei que EU me senti uma merda, e tive que pausar, chorar, engolir, e por algum motivo, despausar e continuar.   Se é para criar representatividade, não basta colocar pessoas gordas para interpretar personagens (o que raramente fazem, de qualquer forma! Quantos atores gordos têm notoriedade atualmente? Quantos atores gordos EMAGRECERAM recentemente POR PRESSÃO? Não por saúde, não por vontade própria: simplesmente porque cansaram de não conseguir papéis e/ou ser saco de pancada do público e dos tabloides?) - é preciso criar personagens complexos. Modificar essa dinâmica que sempre coloca a pessoa gorda como a "pateta" que está ali para elevar a auto-estima dx protagonista magrx, ou que nos coloca para baixo. Estou de saco cheio de ver enredos, no cinema e na TV, que exploram a infelicidade da pessoa gorda. Que as coloca como frustradas e miseráveis. Que odeiam suas vidas. A mensagem de que as únicas soluções possíveis são emagrecer ou se matar. E estou bem puta com a aceitação social que essas merdas recebem. Com os magros (e não-gordos) que se matam de rir de tais piadas, e TAMBÉM com os gordos que aceitam isso porque acham que merecem, ou porque acreditam que independente do conteúdo, se tem gordo no meio, está sendo criada representatividade. Nós não podemos aceitar migalhas pra sempre!   Eu quero ver gordos interpretando papéis de poder, ou mesmo gordos cujos corpos não são mencionados nem uma vez sequer; que só exercem uma função, e que são colocados da forma mais natural do mundo, nos mais diversos tipos de papéis, como deveria ser na sociedade.   Enquanto outras minorias lutam por essa inclusão - com papéis que explorem além do óbvio, além do estereótipo -, o gordo aceita calado, e muitas vezes até ri de si mesmo. E por que? Porque gordos pensam que precisam ser engraçadinhos para "compensar" algo. Porque a sociedade nos despiu de auto-respeito em cada cena de gordofobia naturalizada e aprovada por todos.

sexta-feira, 6 de julho de 2018

puta na sociedade e puta na cama (mais puta na sociedade do que na cama)

Aprendi a amar nos cantos / rapidinho pela rua / nem tirava toda a roupa / quase nem ficava nua 🎶


   Sou politicamente vadia. Mesmo antes de aderir a princípios feministas, eu já sabia disso.
   E para mim, ser puta nesse contexto, é fazer exatamente o que eu quero. Ser imune a morais patriarcais e cristãs numa sociedade patriarcal e cristã. 
   A vida inteira eu fiz o que me deu na telha, e sempre fui considerada errada por isso. Não planejei ser assim, só não sei existir de outra forma.
   Sexualmente, eu sou provocadora, mas careta. Eu quero dar muito, e nas mais variadas posições, mas eu quero paixão, quiçá, amor. 
   Faz muito tempo que prometi a mim mesma que nunca mais faria sexo com pessoas que me fizessem sentir vazia e suja. Me senti assim todas as vezes que transei, exceto duas. É algo devastador de se sentir. E não senti isso porque sexo é inevitavelmente sujo e vazio, e sim porque me precipitei com pessoas que nem sequer tentaram entender como eu funciono. Nunca gozei com ninguém (não à toa, não estou sozinha nessa!). Nunca me senti completamente confortável.
   Agora aparece gente achando que só porque eu exponho meu corpo e minha alma, e especialmente, porque sou gorda, eu tenho que ser “consistente” e dar para qualquer um que me queira. Acham que eu tenho que aceitar todo tipo de fetiche, toda espécie de degradação para validar meu "discurso". Passei os últimos dias remoendo isso, inquieta porque querem me tratar feito puta de esquina e ainda rachar a conta do motel. Até que me ocorreu que putas de esquina também têm o direito de dizer NÃO. Que putas de esquina não merecem ser tratadas como a sociedade acha que putas de esquina devem ser tratadas!
   A sociedade quer degradar a mulher para o prazer masculino.
   E eu quero ser puta na cama como sou na sociedade: fazendo exatamente o que eu quero. Sentindo uma parcela de satisfação. QUERO ser puta de UMA só pessoa! Experimentar meu corpo no de outra pessoa, descobrir e ser descoberta, gozar. Amar!
   O meu corpo não é bagunça. Vestida ou pelada, o meu corpo gordo não é um convite para humilhação.
   Não vou aceitar essa lavagem cerebral de que mereço coisas ruins por ser quem eu sou. Nunca mais!

sexta-feira, 22 de junho de 2018

quando a sociedade deixará a mulher amadurecer naturalmente?

   Você já parou para pensar no jeito distorcido que as mulheres amadurecem na nossa sociedade? Primeiro esperam que elas pareçam e hajam como se fossem mais velhas do que são, depois as tratam como se elas devessem parar de envelhecer.
   Quando falamos sobre o jeito que as mulheres são tratadas na nossa sociedade, nada realmente mudou, apesar do não tão recente debate sobre os direitos das mulheres. O grande esquema ainda é o mesmo de décadas atrás; meninas são ensinadas a ser frágeis e fúteis. Do momento que uma mulher nasce, lhe dão roupas e brinquedos que deixam claro seu papel no mundo. De bonecas em forma de bebês a kits de cozinha e maquiagem em miniatura, a mensagem não está nem oculta mais. Elas vão aprender a cozinhar, a cuidar de bebês, a ser bonitas em roupas que não são confortáveis o suficiente para permitir que participem de brincadeiras que exigem agilidade e um espírito aventureiro.
Como a Paula Hawkins colocou em seu livro de estréia, "A Garota No Trem": "sejamos honestos: as mulheres continuam sendo valorizadas de verdade apenas por duas coisas — sua aparência e seu papel como mãe".
   Enquanto meninos são instruídos a ser fortes, independentes e espertos, meninas ainda são instruídas a crescer e encontrar um "bom homem" para cuidar delas.
As crianças de hoje em dia crescem muito rápido, graças ao ambiente estressante em que nós vivemos, e mesmo por causa da comida cheia de hormônios que consumimos atualmente. Uma garota de 14 anos hoje provavelmente não parece com uma garota de 14 anos de duas décadas atrás. Será que as pessoas realmente entendem o perigo disso?
Quando meninas entram na pré-adolescência e na adolescência em si, os hormônios femininos entram na equação. Além de toda a construção de personalidade através dos anos, elas também começam a se sentir diferente, e a copiar o comportamento de suas referências da indústria do entretenimento. Passam a desejar ser vistas como mulheres.
   E para alcançar este desejo, elas precisarão se vestir de uma forma mais provocante, e fazer coisas que atrairão olhares e desejos que elas não poderiam entender mesmo que tentassem muito. Uma vez que elas atraem esse olhar, se sentem quase satisfeitas, porque pensam que é exatamente isso que elas querem. Mas na verdade, elas não têm estrutura emocional para sustentar essas coisas. Elas se sentirão únicas enquanto conversam com caras mais velhos, pensando que estão impressionando com sua "sabedoria" precoce, sem perceber que estão sendo usadas. Homens amam isso. Eles são obcecados com a combinação de luxúria e inocência. Mesmo os mais pretensamente "honestos" amam quando garotas agem como se fossem adultas, porque isso lhes dá mais uma desculpa. Por um momento ou dois, eles podem fazer e falar o que quiserem, e fingir que não estão fazendo nada de errado, porque essas meninas "não aparentam a idade que têm".
   Essa é apenas a nossa garota "comum", a garota que não está sob holofotes.
   Agora vamos pensar nas mulheres NA indústria do entretenimento. Não apenas elas estão no meio dessa loucura coletiva, também estão constantemente expostas. As pessoas olham para elas de muitas formas. Elas TÊM que ser bonitas — obviamente, magras e femininas —, ou serão destroçadas, primeiro por colunas de fofoca, depois pelo público. Elas têm que se comportar de uma determinada forma. Suas imagens e suas vidas estão sendo exploradas na frente do mundo inteiro, e as pessoas não ligam para o fato de que essas garotas não sabem — não poderiam saber — como lidar com toda essa pressão. Seria difícil até para adultos lidarem.
   Então, nós temos garotas instruídas a agir como mulheres adultas para a satisfação masculina. Da cantora pop Britney Spears para a estrela da Disney, Demi Lovato, a maioria das garotas na indústria tiveram suas vidas quase que completamente arruinadas pelas expectativas da sociedade de como uma garota deve se comportar. Primeiro a sociedade sexualiza essas meninas, depois diz que elas são muito promíscuas. As condena. Incapazes de entender este paradoxo ou caber no molde social 24 horas por dia, pressionadas por empresários, familiares, e até mesmo pelos fãs, muitas dessas garotas acabam cedendo sob o peso disso tudo. Muitas recorrem a substâncias entorpecentes, desenvolvem transtornos alimentares e caem no abismo da depressão. Sendo tratadas, apesar da pouca idade, como objetos sexuais, elas irão, provavelmente, se deixar usar por pessoas, tentando preencher o vazio interior ou mesmo porque querem continuar sendo "gostadas".
   Alguém poderia dizer que é assim que a indústria do entretenimento funciona, que a pressão é colocada sobre todos trabalhadores do meio. Mas, exceções a parte, este seria um argumento desonesto.
   Podemos olhar para o elenco principal de Harry Potter, por exemplo. Enquanto o Daniel Radcliffe foi tratado como qualquer outro garoto, no que diz respeito a sua imagem e sexualidade, Emma Watson foi transformada em símbolo sexual muito antes de ser legalmente adulta. Enquanto Rupert Grint foi tratado como um garoto bobo, e retratado assim em ensaios fotográficos, A Emma Watson teve que vestir roupas provocantes e posar de forma sensual para câmeras. Enquanto seus colegas de trabalho tiveram permissão para ser "apenas garotos", ela foi sexualmente objetificada pela mídia. Felizmente, a Emma Watson é uma das celebridades que de alguma forma passou por esta experiência sem sucumbir. Ela agora luta pelos direitos das mulheres.
   A vítima mais recente da impiedade da nossa sociedade contra mulheres, é a atriz mirim Millie Bobby Brown, estrela da série de TV "Stranger Things". O mesmo que aconteceu com Emma Watson se repete com ela. Apesar de ter 14 anos, é difícil olhar para ela e ver uma adolescente.
   Também temos exemplos disso no Brasil. Larissa Manoela, atriz do SBT, atualmente tem 17 anos, mas sua sexualidade tem sido discutida por anos, por revistas de fofoca e por pessoas comuns. Ela começou nas novelas do SBT quando era uma criança, mas logo passou a mostrar um desenvolvimento corporal precoce. Aos 15 anos ela havia tido pelo menos 4 namorados. Algumas pessoas brincam sobre sua vida amorosa, enquanto outras fazem comentários vulgares. 
   Também a comparam à sua colega de trabalho, Maísa. Ambas têm a mesma idade. Enquanto Larissa Manoela recebe escárnio por ter muitos "lances", Maísa costumava receber escárnio por não ter tido nenhum namorado. O apresentador de televisão, e EMPREGADOR de ambas, Sílvio Santos, chegou ao cúmulo de ridicularizar as duas em rede nacional, comentando sobre a falta de "ação" de Maísa, e ao mesmo tempo afirmando que a Larissa Manoela "não é tão inocente quanto a Maísa". As pessoas não apenas julgam essas duas garotas pelo que as diferencia, como tentam criar rivalidade entre elas.
Chloë Moretz é mais um exemplo de como a sociedade funciona em detrimento das mulheres. Ela começou sua carreira quando tinha 8 anos, em 2005. Através dos anos, ela foi literalmente perseguida por predadores sexuais. Era fácil achar comentários de homens dizendo que mal podiam esperar que ela fizesse 21 anos (maioridade nos E.U.A), ou mesmo ameaçando-a de estupro. Isso também aconteceu com a Maísa. Pessoas (homens, é claro), se sentiram confortáveis o suficiente para dizer isso na frente de qualquer um com acesso ao Twitter. Como se essas garotas não fossem humanas cheias de medos e emoções. Como se fossem objetos.
   E é assim que a mulher é vista na nossa sociedade. Há muitas gerações de trabalhadoras da indústria do entretenimento permanentemente marcadas pela hipersexualização da mulher na mídia. Algumas delas lentamente desaparecem, a força ou por escolha. Algumas continuam a jornada.
   Quando estas garotas se tornam mulheres, elas se tornam menos interessantes para a indústria. Mulheres na casa dos 30 são colocadas para interpretar personagens mais jovens. Não é incomum ver atrizes adultas interpretando adolescentes, especialmente em séries de TV. Elas têm que agir como menininhas inocentes em corpos completamente desenvolvidos para, de forma selvagem, representar como as adolescentes são na imaginação dos homens. Isso também é parte do "efeito Lolita", só que sem a culpa de DEMONSTRAR desejos sexuais por pré-adolescentes de fato.
   Quando essas mulheres atingem os 40 anos, elas não têm mais serventia nenhuma para a indústria, e para a nossa sociedade, de forma geral. O apelo sexual se perde completamente. Elas não cabem mais nas fantasias dos homens. Como mulheres mais velhas são retratadas em filmes? Há basicamente dois extremos: como a dona de casa insegura, frágil e submissa, ou como a pessoa frígida que abdicou de sua vida amorosa e sexual para ter uma carreira de sucesso. Porque mulheres não podem ter tudo. Elas são desagradáveis, mandonas e amargas, especialmente contra mulheres mais novas. É assim que a mídia promove inimizade entre mulheres mais novas e mais velhas. Elas não podem ser amigas e dar apoio umas às outras, porque precisam competir.
   Chegando aos 50, as mulheres basicamente não têm permissão para existir mais. Não podem ser sexy. Na verdade, se TENTAREM ser, soarão desesperadas. Serão zombadas pela sociedade.
   Atrizes mais velhas tem paparazzi nas suas costas, mostrando pro mundo inteiro o quão imperfeitas elas se tornaram. Muito peso, muitas rugas, muita flacidez... Do outro lado, homens são vistos como uma boa garrafa de whiskey: quanto mais velhos, melhores. 
   Enquanto mulheres mais velhas são empurradas para fora da indústria do entretenimento, homens mais velhos são os galãs, os conquistadores, sempre atraindo mulheres bem mais jovens. A disparidade de idade em muitos pares românticos no cinema é ultrajante, e a cada ano que passa se torna mais evidente. Mulheres entrando nos 20 anos são postam para protagonizar ao lado de homens de 40 ou 50 anos. É muito raro vermos casais de pessoas mais velhas no cinema. E, pior, um casal onde a mulher é nova e o homem é mais velho é visto como algo completamente comum, mas se for uma mulher mais velha com um homem mais novo, as pessoas se sentem enojadas.
   Pressionadas pelos padrões estéticos vigentes, e numa tentativa de continuar relevantes para a indústria, mulheres tentarão, mais uma vez, se encaixar. Elas se entregarão a HOMENS com bisturis, porque acreditam que eles as tornará "perfeitas" novamente. 
Só que muitas vezes o efeito é nulo, e essas mulheres se tornam alvo de ainda mais violência verbal. Como Courtney Love, que, após passar por muitos procedimentos estéticos, recebe milhares de comentários rudes sobre sua aparência e sua tentativa de "não envelhecer".
   Apesar de a televisão ser um pouco mais aberta à figura da mulher chegando aos 40 ou mesmo acima disso — séries de TV como "A Paranormal", "The Closer", "Amor Imenso", "Estética", "A Sete Palmos" e muitas outras tiveram mulheres mais velhas retratadas de formas mais complexas e desafiadoras que a maioria dos filmes até hoje —, ainda é um privilégio para poucas. As atrizes nessas séries são conhecidas há décadas, e também tiveram sua cota de exploração de juventude. Elas tem prestígio.
   "Pediram" a Patricia Arquette, por exemplo, que ela perdesse peso para interpretar sua personagem na série "A Paranormal", e ela se recusou a fazê-lo, dizendo que não seria realista que uma mulher, mãe de três crianças, fosse mais magra do que ela era à época. A mesma Patricia Arquette que sofreu, anos depois, ataques midiáticos por sua aparência "velha" e "descuidada".
   Quão improvável seria para uma atriz iniciante acima dos 40 anos se impôr, SE RECUSAR? Ela seria mandada de volta pra casa, e a indústria teria uma substituta para ela em três segundos.
Como Paula Hawkins continua, na citação que fiz anteriormente: "eu não sou bonita, e não posso ter filhos. O que isso faz de mim? Uma inútil."
   O que muitas pessoas não percebem, é que essa distorção de valores na indústria de entretenimento tem um impacto enorme sobre a sociedade inteira, fazendo com que o peso de tudo isso recaia e ganhe ainda mais força sobre mulheres "comuns". Nós estamos em um círculo vicioso, onde só quem perde energia E VIDA são as mulheres.
   Quando a sociedade deixará a mulher SER?