quarta-feira, 18 de outubro de 2017

ciclo

   Even though you've got a million best friends 
I don't want the label I just want your presence
I see you as a brother just as much as a best friend 
So I will fight the deeper urge to say "come home" 
'Cause I know you have to go, I know you have to go ♫

   Um ano atrás eu fui lá, montagem fofinha com nossas fotos e as coisas que gostamos, textão professando meu amor por você — e você, em contrapartida, me dizendo que estava chorando com a mensagem, que, veja bem, era sincera.
   Eu lembro da primeira vez que te vi. Eu imediatamente notei que a sua aura é azul. Suas mãos eram como sempre foram: mãos de artista. Seu jeans era apertado e tinha uma mancha de tinta. Você conversava com os seus amigos, um pouco acelerado, toda uma expressão corporal, e eu o observei e pensei que um cara como você nunca iria notar uma pessoa como eu.
   E com surpresa recebi a sua solicitação de amizade. Você diz que desde a primeira vez que me viu quis ser meu amigo. Me enfiei no seu grupo só para tê-lo por perto, mas você, relapso, mal ficava entre eles, sempre atrasado, sempre correndo. 
   Mas às vezes você ia fumar e me chamava para ir com você, e mesmo asmática eu ia, porque gostava de te ver fumando e falando suavemente naqueles momentos, com tanta classe. Como um personagem de filme dos anos 50; com trejeitos felinos.
neverland 42
   E no ano passado nós rimos, nos lembrando daquela vez que marcamos de nos encontrar na sua casa, logo no início de tudo, e eu, na pressa de te ver, sempre ansiosa e deslumbrada, cheguei uma hora antes, dando de cara com a porta, pois você não estava em casa ainda. Eu tenho uma foto da porta fechada, o número 42 pendurado. Tirei enquanto estava sentada nos degraus, onde fiquei te esperando, lendo um livro, nem lembro qual. 
   Nós mal nos conhecíamos naquela época. Quando você chegou compartilhamos um abraço breve e frouxo. Mas você esteve lá de forma constante e firme. Por um tempo. Como naquela vez, entre as muitas em que eu bebi muito e vomitei sobre mim mesma; mas naquela vez eu não me limitei a beber e vomitar e capotar, acordando duas horas depois enjoada. Naquela noite eu entrei em um quarto, tranquei a porta e tentei me jogar da janela do seu apartamento. Você, que nem me conhecia, arrombou a porta e me puxou, expulsou as pessoas assustadas e curiosas, despiu minha camiseta e colocou em mim a sua camisa azul. Eu ainda tenho a camisa. Eu ainda lembro do que te disse, os meus motivos, e ainda lembro que você tentou me consolar. Eu fiquei mortificada no dia seguinte, mas você entendeu sem me julgar.
   E assim seguimos, nos conhecendo, construindo confiança, rindo, bebendo até cair, quase chorando às vezes, ouvindo um ao outro; e com o passar do tempo, melhores amigos, desafiando um ao outro, ora artisticamente, ora com comentários passivo-agressivos. Você sempre atrasado e eu sempre adiantada. Eu querendo te abraçar forte, e você se desvencilhando dos meus braços muito rápido. Isso nunca mudou, nem com os anos de amizade. E toda vez que nos abraçamos eu me pergunto, com mágoa, por que você se afasta tão rápido. Eu te olho abraçar outras pessoas e são abraços demorados. Abraços como abraços devem ser.
   Vieram outras amizades — para você, e eu me tornei figurante. Eu não sei mais o que acontece na sua vida. Você também não sabe o que acontece na minha.
   Em algum momento nós desconstruímos a confiança e o riso ficou mais fraco e paramos de beber juntos. Só eu caía, você ficava em pé a noite inteira. Eu chorei, você eu não sei. Nossos desafios deixaram de ser ligeiramente agressivos e se tornaram abertamente tóxicos. Nós não sabemos porque continuamos. Você me pergunta o que eu quero de você, porque não o deleto como faço com todos, e eu não sei responder. É que eu te amo. Às vezes.
   Mas não consigo deixar de sentir que não pertenço ao seu mundo de pessoas inteligentes e interessantes e bonitas; atores, modelos, artistas plásticos, fotógrafos e músicos.... e gin e tônica e coisas sofisticadas. Eu não consigo deixar de sentir as coisas deslizando para bem longe do meu alcance. Eu não consigo sua atenção, uma resposta, reciprocidade. Quando nos encontramos eu não te sinto empolgado por me ver. Como se não importasse. Às vezes eu te amo muito, e às vezes te amo quase nada.
   Você cresceu, e eu permaneci pequena. Você foi a lugares, eu continuei parada. O número 42 não está mais lá, nem mesmo com a porta fechada para que eu fique apenas olhando. Eu nem sei onde você mora mais. 
   Então esse ano eu não fiz montagem engraçadinha e nem textão. Eu te mandei uma mensagem breve, disse que te amo. Você não respondeu. Você quase nunca responde. Sempre correndo.
   Mas tudo bem, não é por isso que você vai ter um aniversário menos emotivo. Outras pessoas te mandaram montagens e textões, seus novos melhores amigos e os antigos que você, de alguma forma, conseguiu tempo para manter.
    Feliz aniversário. Eu te amo?