quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Até mais

Ele me disse que não tinha amigos, que não tinha amores e eu o odiei por isso. Eu era sua amiga, eu era o seu amor. Não. Eu fui omissa, fui covarde, imersa em meus próprios problemas. Ele encarou a verdade, sofreu as consequências e eu fiquei para trás.
Não tenho amigos, não tenho amores. Os meus amigos e os meus amores que me perdoem, mas essa é a verdade. São 27 anos nessa Terra sem nada e nem ninguém, sem afetos que durem o dia inteiro, nutrindo ódio e ressentimento por coisas que só existem na minha cabeça, dando porrada nas paredes, no ar, na minha própria cara!
Sou mais domesticada do que um animal. Você tenta domesticar o cachorro, mas ele foge. Você tenta domesticar o gato, mas ele escapa. Às vezes eles voltam, por fome ou por saudade, mas sentem a necessidade de estar lá fora em algum lugar, encarando outra coisa que não o teto.
Mas eu não. Eu posso encarar o teto por horas a fio, posso ficar deitada na minha cama por dias seguidos, com o gosto amargo dos dentes não escovados, com os cabelos despenteados, fedendo e sem ânimo para tomar banho. Sou pior do que um gato castrado! O gato ainda olha pela janela, desejando estar lá fora. O cachorro você prende, mas ele se solta.
A minha coleira, quando a colocaram, eu não liguei. Não me debati, não gritei. Eu aceitei. Com o passar do tempo ela se tornou parte vital do meu ser, e mesmo quando com o tempo ela se soltou de onde estava atada, eu a deixei permanecer no meu pescoço como um singelo lembrete das minhas limitações. As correntes que me prendem aqui são frágeis como seda, e eu não fujo nunca.
O que há de errado comigo sempre esteve errado e sempre estará. Eu posso mascarar por um tempo, mas a ferida está lá dentro, sempre sangrando. Nasci errada. Mesmo que eu não tivesse sofrido os traumas a que fui exposta, desde o berço eu era inadequada, e estaria, agora, na mesma posição que estou.  Sou maldita. Condenada.
E sei que as pessoas sentem, elas notam.
A neta ingrata,
a filha que nunca alcança o ideal,
a irmã problemática,
a sobrinha fracassada,
a prima desempregada, exemplo do que...
do que não ser.
A amiga distante, egoísta,
a amante histérica, paranoica.
A desconhecida que causa repulsa.
A paciente que causa raiva por ocupar um leito que poderia ser utilizado para quem está realmente doente.
Ocupo espaços que não me pertencem, consumo oxigênio que seria melhor gasto com outras pessoas.  Sou um desperdício de "vida", e nunca me deixarão esquecer disso.