sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Querido Diário: IDEAIS, Cíntia de 2011

11.07.11

"A gente brigava por um mundo melhor. Um mundo em que as pessoas se amassem, em que as pessoas pudessem comer, beber, brincar, rir, fazer e curtir arte"
Lúcia Murat


   Eu tento e tento, mas não consigo me adaptar aos costumes da sociedade. Será que algum dia as coisas estiveram no lugar? Será que algum dia estarão? Qual a sentido de lutar para haver paz, prosperidade? Milhões e milhões de pessoas morreram por ideais, às vezes algumas coisas até avançam, mas outras logo retrocedem.
   O ser humano não sabe viver em paz? Isso os perturbaria de tal maneira que apenas buscam guerras?
   Para o entendimento todo mundo tem que ceder em alguma coisa, uns mais, outros menos, mas todos precisam [ceder]. Despir-se de preconceitos, amar ao próximo como a um irmão. Isso é muito difícil, mas não impossível! Respeitar a Natureza, todos os seres, deveria ser uma espécie de senso comum. Por que os humanos se sentem tão superiores? A Bíblia lhes dá tal poder?
   Eu pensava que a religião deveria ser algo para nos deixar em paz, não soberbos e mesquinhos. As pessoas deveriam duvidar de tais ensinamentos.
   Eu não posso evitar a tristeza, porque quando olho para a sociedade vejo como as pessoas encaram a violência em geral com naturalidade — muitas vezes culpando o agredido enquanto os agressores saem com sorriso de lobo. (...)
   [Mas] as pessoas não conseguem tolerar as diferenças (...) Acham que não há mais racismo e escravidão, mas nós somos [todos] escravos. E carrascos.
   Olham com maus olhos tudo que não compreendem, e ao contrário de tentar entender, hibernam na ignorância e ditam suas sentenças.
   Enquanto eu, que em algum momento da vida pensei que sabia de tudo e hoje vejo que não sei nada, sinto o quanto é difícil julgar esta ou aquela pessoa, pois só sabe o que pensa quem o pensa.
   Mas eu também penso, e devo saber o que quero para mim e seguir o meu rumo sem ferir ninguém.
   O que sei é que empatizo com toda e qualquer dor, a princípio, mas também não perdoo quem faz o mal, e não darei a outra face.





12.02.16
Eu já fui uma pessoa melhor.
 Mas continuo contraditória.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

delírios literários


   A Saraiva solicita uma carta de apresentação e eu já começo a imaginar todo um futuro. São anos e anos e anos sonhando em trabalhar com livros, ajudar a vendê-los, sentir seu cheiro, seu toque, cuidar deles, ver a empolgação em outras pessoas quando conseguem grana pra comprar aquele livro que queriam há tempos. E também, preciso de dinheiro (para comprar meus livros desejados).
  
   Mas vem o pânico.
   Na minha cabeça todo um roteiro deslancha: sou chamada para entrevista. O recrutador pergunta, pra conferir se minha paixão é real: "qual seu livro preferido?"
   Antecipei, dentro de minha antecipação, aquela pergunta, é claro. 
   Se eu respondesse prontamente ficaria óbvio que aquele script foi ensaiado. Então fingiria surpresa. Alguns momentos de pausa, cara pensativa.

   O problema, porém, é real. Como leitora há, vamos arredondar, 20 anos, tenho tantos queridinhos literários... *suspiro*

    Respondo:
   "Pergunta difícil... *sorrisinho amarelo* Acho que... Matilda".
   E consigo ver a cara de censura do recrutador: "Matilda é um livro infantil! Cresça, mulher!"
  
    Passo a borracha, sentindo culpa.
   
   Tento de novo:
   "A Menina que Roubava Livros?!" (assim mesmo, como se esperando aprovação antes de dar certeza).
   A Menina que Roubava Livros - posso sentir seu desdém - Best seller recomendado pela revista Veja. Isso mesmo.

   Dois possíveis resultados: 

   Sendo a Saraiva uma empresa inovadora, porém comercial, talvez fosse um bom indicativo, ainda que totalmente errôneo, de que eu estaria sempre ligada nos livros do momento, sendo, assim, uma ótima vendedora.

   Mas por outro lado, o preconceito em torno de livros comerciais poderia ser um ponto negativo para a primeira impressão: "ela só lê livros comerciais! Ela provavelmente é fã de 50 Tons de Cinza". Mas meu caro, até Stephen King falou bem desse livro. AHAM. Eu não levaria uma pessoa que se baseia em TOPs da Veja a sério também, sinceramente. 
   Foi com espanto, para começo de conversa, que eu caí de joelhos perante  A Menina que Roubava Livros: meus professores me indicaram, porque "cof a personagem principal também rouba livros cof" - ops! se algum recrutador estiver lendo isso, eu juro que já estou curada... mais ou menos -, amigos indicaram: "ela ama livros como você!", e eu circulei o exemplar na biblioteca municipal por muito tempo, até que um dia o peguei nas mãos  - suadas e trêmulas - e a sinopse me conquistou, tão inesperada e forte quanto um ataque cardíaco: "Quando a Morte conta uma história, você deve parar para ler". Muito bem. A Veja estava certa e eu estava errada, esse livro é uma obra-prima. 
  
   Mas apago novamente. A coisa tem que ser certeira.
   "Meu livro preferido é High Fidelity".
   Ele não conhece o livro. Me olha como se eu o tivesse ofendido, tentando demonstrar superioridade intelectual citando um livro em inglês.

    Eu chego na entrevista. Tudo corre relativamente bem. Enfeito as palavras um pouco, demonstrando mais doçura do que possuo... e ele pergunta:
    "Para finalizar, qual seu livro preferido?"
    Eu faço silêncio por um momento... Alcanço o bolso traseiro da calça e tiro um papel, o qual lhe entrego. Ele o desdobra e o que encontra é



      TOP 10
          POR: CÍNTIA LIRA


10) Acordar ou Morrer, Stella Carr
09) Alta Fidelidade, Nick Hornby
08) Mais Pesado que o Céu, Charles R. Cross 
07) Eu, Christiane F, treze anos, drogada, prostituída..., Kai Hermann e Horst Rieck
06) Pirapato - O Menino Sem Alma, Chico Anes 
05) O Caso dos Dez Negrinhos, Agatha Christie
04) Eu e Outras Poesias - Augusto dos Anjos
03) Os Sonhos Morrem Primeiro, Harold Robbins
02) A Menina que Roubava Livros, Markus Zusak
01) Matilda - Roald Dahl


   Ele pode ter fingido que leu. Ele pode ter achado a lista muito eclética. Ou intelectualmente duvidosa. A única certeza: ele compreende que sou louca. Não consigo o emprego.
   Eu chego em casa, deito na cama e fico me torturando. Não pela incapacidade de conseguir um emprego, as contas se acumulando, o tempo passando, a incerteza do futuro, mas pela ordem e livros escolhidos. Faltou O Estudante. Faltou Sonho de uma Noite de Verão. Faltou A Filosofia na Alcova, Um Copo de Cólera, Casa de Meninas, A Lira dos Vinte Anos, Os Doze Trabalhos de Hércules, PORRA, faltou A METAMORFOSE! E eu deveria ter roubado no meu próprio jogo e colocado Estação das Brumas, que não é um livro e sim uma história em quadrinhos.
    
                    F   U   C   K