domingo, 7 de setembro de 2014

I don't want to think I'm bad, grandma. I don't want to think I'm bad.

   Tem dias que a única coisa cabível é se encolher na cama, abraçar o travesseiro e não levantar. O maior problema, ao menos pra mim, é que tais dias são maioria. Ou ao menos seria, se eu pudesse fazer isso. Mas agora não posso mais. Levantar seis e meia da manhã é algo que realmente me consome, me mata. O que me impede de me trancafiar num sanatório como muitas pessoas que vi nas minhas passadas por eles, é o medo do futuro. Não acredito que haja uma forma de passar a vida inteira lá, e mesmo que haja, que espécie de vida seria essa? Meu medo é me render agora, viver essa vida a base de cama, e mais pra frente me ver perdida, sem dinheiro, sem ninguém, sem ter pra onde ir.
   Essas últimas semanas têm sido muito difíceis. Cada dia mais me vejo encurralada e isolada, mais aflita e nervosa, chorando o tempo todo. Alguns cortes, alguns comprimidos. Soluços de desespero. Tem sido difícil dormir. Há anos tenho um pesadelo de vez em quando que me faz acordar gritando, às vezes chorando, ou mesmo pular da cama e sair pra me esconder no banheiro. Sempre associei isso ao cansaço. Em dias que me sentia muito cansada era certo que isso iria acontecer. Mas ultimamente, acontece praticamente todos os dias. O pesadelo também tem mudado de forma. Até alguns meses atrás, era sempre a mesma coisa: aranhas gigantes subindo na minha parede ou na minha cama. O aterrorizante sempre foi que eu sonhava com isso e quando abria os olhos, por um momento, eu conseguia ver a aranha. Embora o meu lado racional saiba que não tinha aranha nenhuma, e mesmo que tivesse eu não a veria, por estar no escuro, o lado irracional sempre cai no mesmo velho truque e se desespera. Até que alguns dias atrás, ao invés de uma aranha, eram várias. E mais recentemente, ao invés de uma aranha ou várias, é um homem. Eu lembro que quando era mais jovem, uns 14 ou 15 anos, costumava acordar assim, desesperada, porque sonhava sempre com um homem que me estuprava. O sonho das aranhas sempre me remeteu a ansiedade e estresse, e há quem diga que sonhar com aranhas simboliza que há uma presença feminina exercendo poder sobre mim, me deixando acuada. Hoje, neste momento, pensei que poderia ser minha mãe, mas em praticamente todos os sonhos, naquele momento, pensava que poderia ser a G...
   Mas agora eu sei que não se trata de um poder feminino, e sim um poder masculino. Embora eu não possa ver o rosto dele, ou não lembrar ao acordar, eu sei do que se trata. Ele é a aranha. Ele é a presença me deixando acuada, e isso tem sido por toda a minha vida.
   Li artigos sobre problemas do sono e encontrei esse entre eles. Ou seja, milhares de pessoas também sonham com aranhas (ou outros insetos) subindo por suas paredes/camas. Será que há sobre eles a mesma espécie de poder?
   O que eu sei é que ao mesmo tempo que dormir ainda é a melhor parte da minha vida, e que se eu pudesse faria muito mais, também é algo que me assusta muito, me deixa incerta. Tenho constantemente paralisia do sono, uns momentos realmente aterrorizantes.
   Eu acho que sou uma pessoa ruim. E não digo uma pessoa "levemente" ruim, mas completamente ruim. Fato é que cada dia fico mais farta de tudo ao meu redor. Se um dia simpatizei com animais, hoje em dia os odeio. E dizem que uma pessoa incapaz de amar animais, não pode ser boa. Claro, há hoje em dia uma coisa muito "politicamente correta" e uma idolatria exacerbada acerca de animais, o que chega até a ser ridículo. Mas se eu pudesse promover uma espécie de genocídio animalesco, o faria.
   Existem pessoas que não são boas, mas também não são ruins. E sempre me vi nessa categoria. Hoje em dia, porém, sei que estou mais pra cá do que pra lá. Sinto a impaciência crescer dentro de mim, o desprezo por tudo e todos. O ódio, a cólera.
   Sempre fui invejosa.  E me levou anos para reconhecer isso, porque sempre tive um sentimento de inferioridade  e  vergonha a esse respeito. Mas não posso negar, sou mesmo. Tenho inveja da aparência das pessoas, de quanto elas são amadas e queridas, da atenção que recebem, de bens materiais, mas principalmente, odeio famílias perfeitas. Dizem que não existe tal coisa, mas tem famílias que extrapolam a perfeição. É algo que chega a dar nojo, ao menos pra mim, que na visão da minha família, não valho nada. 
   Lembro de quando eu era mais nova, uns 8 ou 9 anos, minha prima, que tinha uns 4, chegou com um potinho cheio de botões. Aqueles de roupa mesmo. Mas eram lindos. Já não lembro com exatidão (pra ver a inutilidade de toda a situação!), porém acho que eram lacinhos cor de rosa. Abusando da inocência da menina, peguei os botões para mim e os escondi. Obviamente, não me serviriam de nada. Mas eram tão lindos, que eu os queria para mim. Ela então subiu para sua casa (morávamos no mesmo quintal) e dali a pouco minha tia veio perguntar onde estavam os botões. Fui logo negando estarem comigo, disse que minha prima provavelmente os havia perdido. Minha tia, claro, não engoliu. Ela disse algo do tipo "você é muito invejosa, Cíntia! Eu quero esses botões em 10 minutos ou vou conversar com o seu pai". Naquele dia estávamos eu e meus irmãos sozinhos em casa. Eu jurei de pés juntos que os botões não estavam comigo, mas estava com medo de ser punida. Meus irmãos começaram a procurar os botões comigo. Então peguei os botões e comecei a jogar embaixo dos móveis, para dar a entender que minha prima os derrubara no chão. Aos poucos meus irmãos foram encontrando alguns, e eu mesma dizia ter encontrado outros. Quando minha tia voltou eu entreguei os malditos botões e disse que havíamos "encontrado", o que ela respondeu com ceticismo e deixou claro que sabia que eu não valia nada.
   Não lembro de ter sido uma criança exatamente mentirosa, mas acredito que sempre soube escapar desse tipo de situação. Muitas vezes tive que roubar para poder comer, muitas outras roubei apenas por hábito, e isso realmente nos modifica. A paranóia de ser descoberto é muito grande, precisamos aprender a encobrir rastros e elaborar histórias convincentes, por mais insignificantes que sejam certos "roubos".
   Quando eu tinha uns 13 anos - e isso ainda tenho em registro -, costumava escrever nos meus diários pedindo a deus para que me "purificasse", que tirasse aquela inveja de mim. Minhas orações orbitavam sempre ao redor disso. Eu não queria sentir inveja e tudo o que ela acarreta. O ódio, o desprezo que passamos a sentir pelas pessoas que têm exatamente o que queremos, mas não podemos ter.
   Mas a inveja nunca foi embora. Deus partiu da minha vida e não levou com ele a inveja.
  Só  que  essas  coisas  voltam. E voltam ferozes. A minha  vida  toda  eu sofri as consequências dos sentimentos que tentei sufocar. É como se eu estivesse vivendo uma vida amaldiçoada. Muitas pessoas, de diferentes religiões e de diferentes filosofias de vida me disseram que há algo me oprimindo. E hoje consigo sentir, mais do que nunca, como se houvesse um peso enorme nas minhas costas, fazendo com que eu viva curvada, fazendo tudo dar errado. Não sei se trago isso comigo de outra passagem por aqui, se tudo isso vem dos meus pais ou do tipo de infância que tive... Não sei. A única coisa que sei com certeza é que esse peso está sendo demais pra mim. Não conseguirei aguentar isso por muito mais tempo. Já disse isso muitas vezes, em muitas épocas e em muitas situações, mas cada dia o peso me esmaga mais. Ao 16 anos eu pensava que não poderia ficar pior do que estava. Mas ficou. Tudo me leva pra uma só direção: o suicídio. E da próxima vez, se houver uma próxima vez, não haverá margem para erros.
   Se eu conseguisse acreditar em deus, se eu pudesse pedir alguma coisa para ele hoje, sabendo que seria atendida, eu pediria para morrer. Não há nada pra mim nessa vida. Não há ninguém. E toda vez que paro pra pensar em como as coisas aconteceram, bate uma tristeza tão grande dentro de mim, que eu queria ser dilacerada por leões para abafar essa angústia.
   Minha família não acredita em mim. Talvez eu tenha dado motivos para suas dúvidas. Porque eu sou má. Eu realmente não presto.
   E eu sei que nunca haverá ninguém para mim. NUNCA. Ninguém poderá me amar o suficiente para perdoar o que eu sou, o que me tornei, e amenizar essa dor sem fim.
   E me dá raiva saber que se eu morresse, de repente seria diferente. Mas deixo aqui registrado. Não houve nessa vida ninguém por mim. Andei por aqui completamente sozinha, e em todos os momentos tive que me virar sozinha para continuar vivendo, muitas vezes pensando em pessoas que nem por um segundo, nunca, pensaram em mim. Tive de lidar completamente sozinha com todos os meus sentimentos, com todos os meus obstáculos e demônios. E se gritei por ajuda, gritei em vão.
   Se eu morrer e alguém aparecer dizendo como me amou, como éramos amigos, será uma grande e patética mentira. Não tenho amigos, não tenho amores, não tenho ninguém.
           E carrego dentro de mim esse fardo.